Obs: Esse texto foi extraído da minha monografia de jornalismo que foi sobre a mistura da cultura brasileira com os costumes ingleses na novela A Indomada
A Indomada - um marco na teledramaturgia brasileira
por Gibran Teske
No Brasil no ano de 1997 uma telenovela de autoria de Aguinaldo Silva e
Ricardo Linhares, através da Rede Globo de Televisão, intitulada “A Indomada”, sucedeu o sucesso rural O Rei do Gado escrito pelo Benedito Rui Barbosa no horário das nove.“A Indomada” foi uma novela dirigida pelo diretor/ator Marcos Paulo, que contava com um grande elenco. O enredo se passa em Greenville, uma cidade do interior nordestino em que os habitantes falavam inglês abrasileirado, além de presenciar situações surreais, como é o caso do Delegado Motinha que caiu em um buraco e bem depois volta casado com uma japonesa alegando que foi parar no Japão.
A trama da novela “A Indomada” conta a história de Helena, filha do casal Eulália e Zé Leandro que teve um relacionamento proibido e faleceu ao tentar fugir de Greenville em uma jangada, deixando a menina que é fruto do relacionamento deles sob os cuidados do misterioso Teobaldo Faruk, após ficar com a fortuna dos Mendonça e Albuquerque. Os anos passaram e Helena agora adulta retoma a Greenville, despertando a inveja de sua maquiavélica tia Maria Altiva que é líder das beatas.
Na época em que foi exibido, o folhetim do horário nobre da Rede Globo tornou-se em mais uma das melhores novelas do Aguinaldo Silva e um clássico da teledramaturgia brasileira ao lado de “Renascer”, “Terra Nostra”, “Rainha da Sucata” e outros. Isso pode ser comprovado no artigo “A Indomada Uma Trama Very Good” de Joannes Lemos, 2008, segundo site http://www.telehistoria.com.br/colunas/index.asp?id=6049.
Segundo o colunista Joannes Lemos, o sucesso da novela “A Indomada” foi graças ao carisma do elenco consagrado, muitos personagens caricatos, a forma que eles agiam como se estivessem na Inglaterra além de falar o inglês abrasileirado, e também as cenas de realismo fantástico que complementavam e enriqueciam o enredo.
“A soap opera unforgettable! Ou no bom português: uma novela inesquecível! Assim foi “A Indomada”, de Aguinaldo Silva e Ricardo Unhares, levada ao ar pela Rede Globo em 1997. Um enredo mirabolante, que misturava o realismo fantástico, críticas construtivas do nosso cotidiano e um punhado de personagens que marcaram época na teledramaturgia brasileira”. (Lemos, Joannes – 2008, http://www.telehistoria.com.br/colunas/index.asp?id=6049).
Assim como em “Roque Santeiro”, “Tieta”, e “Pedra Sobre Pedra”, para a novela “A Indomada” o autor Aguinaldo Silva fez um mistério parecido com o da Mulher de Branco em Tieta. Desta vez, o personagem misterioso era o Cadeirudo, que atacava sexualmente as mulheres nas noites de lua cheia e no final do ato andava de um jeito bizarro. No último capítulo foi revelado que o Cadeirudo era a Lurdes Maria uma das beatas de Greenville.
Protagonizando a novela “A Indomada”, temos Adriana Esteves interpretando mãe e filha no mesmo enredo em dois momentos distintos. Na primeira fase, a atriz foi Eulália que se apaixona por Zé Leandro interpretado pelo ator Carlos Alberto Ricceli e tem uma filha chamada Helena, que nesse período foi interpretada pela atriz Leandra Leal.
Na segunda fase da novela “A Indomada”, a atriz Adriana Esteves retoma a trama dessa vez interpretando a personagem Helena adulta depois que foi estudar no exterior, após ficar sob os cuidados do misterioso Teobaldo Faruk interpretado pelo José Mayer.
Do elenco feminino da novela “A Indomada”, o grande destaque foi a atriz Eva Wilma, que interpretou a vilã Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque que se consagrou com o bordão “O xente my God”. As brigas com as camélias que trabalham na casa de campo, suas armações junto com o Pitágoras para prejudicar Helena, e o final que entrou para a história das telenovelas brasileiras onde a vilã desapareceu após colocar fogo na cabana até que reaparece em forma de fumaça ameaçando voltar.
Outro grande destaque feminino da novela “A Indomada” é a Scarlett Mackenzie que foi interpretada pela atriz Luiza Tomé. Na trama ela ficava excitada e ia para a rua uivar durante as noites de lua cheia. A cena mais marcante dessa personagem foi quando ela entrou na cela onde o prefeito Ypiranga estava preso atravessando as grades.
Do elenco masculino da novela “A Indomada”, o grande destaque ficou com o Selton Mello, que interpretou Emanuel, que além de prever acontecimentos da cidade se apaixona pela Grampola. Uma das cenas mais marcantes dele é quando ele vira anjo.
Boa parte da trama da novela “A Indomada”, fazia uma crítica à política brasileira, que no enredo era representada pelo prefeito megalomaníaco Ypiranga Pitiguari interpretado pelo ator Paulo Betti, e pelo deputado corrupto Pitágoras Mackenzie feito pelo ator Ary Fontoura, que repetiu esse papel na novela “Porto dos Milagres”.
Essas cenas, além de reforçar o estereótipo do político, mostram que a intenção do Aguinaldo Silva e do Ricardo Linhares na novela “A Indomada” é mostrar de maneira bem humorada a má administração das nossas autoridades como podemos ver no artigo “A política do esquecimento”, nas crônicas de Luís Fernando Veríssimo de 2001, em que a autora Ana Maria Portella Montardo compara as cenas em que o prefeito Ypiranga faz obras megalomaníacas com as crônicas do Luís Fernando Veríssimo.
“Na novela A Indomada, exibida em 1997 pela Rede Globo, Aguinaldo Silva soube ilustrar de forma clara e inteligente a prática de construir factóides. O prefeito da cidade fictícia de Greenville (interpretado pelo ator Paulo Betti) adorava fazer obras desnecessárias na cidade. As críticas do povo às tais obras deixaram-no sem saber o que fazer. Seu sogro (interpretado por Ary Fontoura), o qual exercia um cargo eletivo em Brasília, ensinou o genro a lidar com a situação” (Portella Montardo, Ana Maria – 2001, segundo site http://www.revistaaopedaletra.net/volumes/vol%203.1/Ana_Maria_Portella_Montardo--A_politica_do_esquecimento_nas_cronicas_de_Luis_Fernando_Verrisimo.pdf).
Outro elemento marcante do enredo da novela “A Indomada” era a comédia presente nas brigas da Juíza Mirandinha com o prefeito e nas brigas da Altiva com as camélias. Esse recurso era reforçado com efeitos sonoros cômicos como, por exemplo, um personagem grita “Stop” e aparece um som que lembra um apito da Scotland Yard.
Além da comédia os autores Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares também apostaram em cenas dramáticas, abordando na novela “A Indomada” dois assuntos sérios que foram o turismo sexual representado pela Casa de Campo e a exploração de menores, representada pela ingênua Grampola que foi interpretada pela atriz Karla Muga.
O drama da personagem gerou uma grande repercussão na mídia nacional na época que a novela “A Indomada” estava sendo exibida, fortalecendo o combate a esse tipo de crime e sendo base para estudos, comoo artigo do autor Marcio Luiz Schiavo (segundo site http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/5f481633ee7abfd6dafefcd55d625cf8.PDF)
“Merchandising social: sexualidade e saúde reprodutiva nas telenovelas”3 de 1998 “O envio de briefings específicos sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes, contendo sugestões concretas quanto à abordagem do assunto, contribuiu para que a trama tomasse um outro rumo: no caso, a personagem (Grampeia), não apenas não se prostituiu como foi adotada por uma família, que a matriculou na escola. Esta ação obteve o reconhecimento formal da Campanha Nacional Pelo Fim da Exploração, da Violência e do Turismo Sexual Contra Crianças e Adolescentes”. (Schiavo Luiz, Mareio – 1998, segundo site http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/5f481633ee7abfd6dafefcd55d625cf8.PDF).
Foi na novela “A Indomada” que o Aguinaldo Silva começou a trabalhar com a auto-referência ao incluir uma participação do Murilo Pontes que foi interpretado pelo Lima Duarte na “Pedra Sobre Pedra”. Ao som da música “Entre a serpente e a estrela” o personagem chega a Greenville para jogar pôquer. Nas novelas seguintes, o autor passou a incluir essas participações de personagens ou referências a eles.
Outro fator que enriquecia bastante o enredo da novela “A Indomada” junto com as cenas de realismo fantástico era a trilha sonora marcante com músicas como “Maracatudo”.
O pernambucano Aguinaldo Silva foi jornalista policial no período da ditadura militar. Foi roteirista de alguns episódios dos seriados “Plantão de Polícia” e “Malu Mulher”. Como autor solo ele adaptou o livro “Tenda dos Milagres”, de Jorge Amado, no formato minissérie onde junto com Doc Comparato escreveu as minisséries “Lampião e Maria Bonita”, “Bandidos da Falange”, “Padre Cícero”.
Foi no período da minissérie “Padre Cícero” em 1984 que o autor Aguinaldo Silva resolveu escrever em parceria com a autora Glória Perez a sua primeira novela que se chamou “Partido Alto”, porém na reta final ele abandonou o posto de autor após brigas.
No ano seguinte o autor pernambucano assumiu o remake da novela “Roque Santeiro”, abandonado pelo Dias Gomes, que desistiu de continuar com a sua novela agora liberada depois de escrever 40 capítulos. É em “Roque Santeiro” que podemos ver as características que marcaram a parceria do Aguinaldo Silva com o Ricardo Linhares Aproveitando o grande sucesso da novela “Roque Santeiro”, que teve a histórica marca de 100% de audiência, o autor Aguinaldo Silva resolveu fazer a sua primeira novela solo chamada “O Outro” protagonizada pelo ator Francisco Cuoco que sofreu acusações de plágio além de contar com a colaboração do Ricardo Linhares que estreou na televisão e no ano seguinte escreveu “Fera Radical” estrelada pela Maiu Mader.
Em 1989 o autor Aguinaldo Silva se consolidou quando decidiu co-escrever a novela Vale Tudo junto com o Gilberto Braga, que ficou marcada com o assassinato da vilã Odete Roitman. Foi nesse mesmo ano que o pernambucano resolveu fazer outra adaptação de uma obra do Jorge Amado para a televisão dessa vez foi o livro Tieta do Agreste em forma de novela seguindo a formula da bem sucedida “Roque Santeiro”.
Para escrever “Tieta” o autor chamou Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn que foram os co-autores da novela que foi um grande clássico da teledramaturgia com personagens marcantes como a Dona Milú que dizia “Mistério” e momentos memoráveis como as cenas da Mulher de Branco e o conteúdo da caixa da Perpétua.
No começo dos anos 90 o autor Ricardo Linhares escreveu Lua Cheia de Amor e foi co-autor da novela O Dono do Mundo junto com Gilberto Braga, já o pernambucano Aguinaldo Silva fez com co-autoria da Ana Maria Moretzsohn a minissérie “Riacho Doce” em 1992 o trio voltou a se reunir para escrever “Pedra Sobre Pedra”.
A trama protagonizada pelo ator Lima Duarte e pela atriz Renata Sorrah conta a história da rivalidade entre Murilo Pontes e Pilar dois inimigos políticos da cidade de Resplendor que acabam se apaixonando e enfrentam armações do ambicioso Cândido Alegria, paralelamente acontece o assassinato do fotógrafo Jorge Tadeu.
“Pedra Sobre Pedra” foi a última novela do ator Armando Bogus que no dia 2 de maio de 1993 faleceu vítima de leucemia após ficar internado em um hospital.
Em 1994 o grande sucesso da trama da “Pedra Sobre Pedra” fez o autor Aguinaldo Silva escrever “Fera Ferida”, a terceira novela regionalista com realismo fantástico do trio e também foi a última que teve co-autoria da Ana Maria Moretzsohn.
A trama de “Fera Ferida” protagonizada pelo ator Edson Celulari conta a história de Raimundo Flamel, um homem que ficou órfão e voltou para Tubiacanga para executar a sua vingança, porém no meio dela ele reencontra Linda Inês sua grande paixão.
Entre “Fera Ferida” e a “A Indomada”, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn foram supervisores de texto da primeira temporada da Malhação, além de irem para Band até que apenas o autor retornou para a Rede Globo para continuar com a parceria.
Nesse período, Ricardo Linhares escreveu com Gilberto Braga a minissérie Anos Rebeldes, além de escrever outra minissérie com Doc Comparato até que retomou a parceria com o autor Aguinaldo Silva para escrever a novela “A Indomada”.
“A Indomada” é a quarta novela com enredo que se passa em cidade pequena nordestina dessa parceria e junto com “Porto dos Milagres” foi a primeira de duas novelas que não teve a participação da Ana Maria Moretzsohn como co-autora.
Com o sucesso da “A Indomada” o autor Aguinaldo Silva resolveu fazer “Suave Veneno”, que foi sua primeira novela solo desde “O Outro”. Porém a novela acabou fracassando, o que fez o pernambucano voltar a escrever com Ricardo Linhares, que fez a novela “Meu Bem Querer” para se despedir da bem sucedida parceria deles que começou na novela “Tieta”. A quinta e última novela da dupla foi “Porto dos Milagres”.
“Porto dos Milagres”, protagonizada pelo ator Marcos Palmeira, conta a história de Guma um homem que foi adotado por uma humilde família de pescadores da cidade de Porto dos Milagres e começa a descobrir segredos do seu passado misterioso.
Depois de “Porto dos Milagres”, Aguinaldo Silva ficou um período afastado da televisão e retomou com o enredo urbano na “Senhora do Destino”, que foi um grande sucesso. As novelas mais recentes do pernambucano são “Duas Caras” e “Fina Estampa”.
Já Ricardo Linhares foi autor da novela das seis “Agora é que são elas”, estrelada pelo ator Miguel Falabella que interpretou o prefeito Jucá Tigre e decidiu retomar com outra parceria, mas dessa vez foi com o Gilberto Braga escrevendo as novelas “Celebridade”, “Paraíso Tropical”, e a mais recente “Insensato Coração”.
Algumas principais características que presenciamos na trama das cinco novelas nordestinas dessa parceria era a trilha sonora de boa qualidade, um enredo criativo, elenco competente, personagens carismáticos, cidade fictícia no interior nordestino com bordel, jornalismo de oposição, e políticos retratados de maneira caricata.
Outra característica das novelas dos autores Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares eram as atividades económicas das cidades fictícias: Resplendor dependida das pedras preciosas, Tubiacanga dependia do ouro, Greenville dependia do cultivo da cana de açúcar, na Porto dos Milagres a cidade fictícia homónima dependia da pesca.
A Indomada é um produto audiovisual delineado especialmente para o chamado “horário nobre” da televisão brasileira. Teve direção de Marcos Paulos, Roberto Noar e Luis Henrique Rios.
Com um custo variando entre 60 mil a 100 mil reais por capítulo, a novela foi gravada quase inteiramente no PROJAC. Alí foi construída uma cidade cenográfica de 35 mil m², a fictícia Greenville [...]. Algumas cenas foram gravadas em Maragogi, pequena cidade de Maragogi, em Alagoas, fazendo com que Greenville parecesse uma cidade litorânea do nordeste do Brasil. Reuniu um grande elenco da dramaturgia Brasileira, com um elenco fixo de 61 profissionais, sendo 32 mulheres e 30 homens. (Lopes, Borelli e Resende 2002, p 117-124).
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